sábado, 3 de abril de 2010

Que mala!

Era o primeiro semestre de 2009 quando batemos o martelo. Faríamos essa viagem de um mês para a Índia e o Tibete. De todo lado, nos vinham orientações de pessoas que já conheciam o país, de pessoas que tinham lido a respeito, assistido a novela Caminho das Índias, pesquisado na internet, conheciam alguém que tinha passado mal com a comida em um restaurante indiano (ou seria tailandês?) de Jundiaí (não era em São Miguel do Gostoso?), queriam nos fazer encomendas de batas e de indianos com a cara do Raj-da-novela... Todo mundo conhecia alguém que tinha uma vizinha que tinha sido atacada por um motorista de taxi ensandecido ou um primo que morava perto de um homem que tinha tido alergia da água do Ganges (ou era do Nilo?). De toda parte, chegavam ideias, sugestões e alertas.

Eis algumas das orientações que recebemos antes de viajar:

- Não beba água, a não ser que seja mineral e venha em garrafas lacradas. Ou opte por refrigerante.
- Não toque nas pessoas, especialmente nos homens. Eles não estão acostumados ao contato físico.
- Nunca saia sozinha, pois mulheres não andam desacompanhadas na Índia.
- Cubra a cabeça, especialmente nos lugares sagrados. Tenha sempre um lenço ou xale à mão.
- A Índia é suja e cheia de lixo. Leve álcool-gel e toalhinhas umedecidas.
- Leve barrinhas de cereais, pois vocês vão morrer de fome.
- Leve remédios para digestão, pois a comida é exótica, para dizer o mínimo.
- Leve um bom repelente de insetos.
- Para entrar na Índia, é obrigatória a comprovação da vacina contra febre amarela. Já que você vai ao centro de saúde, aproveite e tome vacinas contra Hepatite A e B, Tétano e o que mais houver na prateleira.
- Cuidado com trombadinhas, pois o país está cheio de miseráveis.
- Os motoristas de taxi decidem para onde levam os passageiros, independente da orientação que recebam.
- Os indianos que trabalham no turismo falam inglês.
- Os indianos se atrasam. Seu conceito de pontualidade é muito diferente do ocidental. Sempre considere isso, especialmente quando for para o aeroporto ou a compromissos com hora marcada.
- Prepare-se para tirar os sapatos em qualquer lugar onde entrar. Sempre calce meias, mesmo no calor, por causa das pedras dos pisos, que ficam muito quentes no verão.
- Os indianos comem com a mão direita. Com a esquerda, eles se limpam. Cuidado ao usar a mão esquerda para qualquer coisa, como, por exemplo, tocar alguém.
- Cubra o nariz em Varanasi, pois o Ganges é fedorento e cheio de cadáveres boiando.

Com isso, a lista de coisas obrigatórias na bagagem só fazia crescer. Tínhamos que prever a pressão alta, a pressão baixa, o intestino preso, o intestino desarranjado, as bolhas no pé, o botão caído da roupa, a desidratação, o cabelo branco cujas raízes estariam aparecendo ao cabo de um mês, a pele ressecada, a falta de luz... Com isso tudo, até o dia de partir, nossas malas já tinham kit de manicure, kit de costura, kit de primeiros socorros e remédios para toda doença e mal-estar possíveis, seringa descartável, calcinhas descartáveis, lenços de papel, papel higiênico, hidratante (vários potes), chapéu, xale, máquina fotográfica, binóculos, lanterna, pen drive, cópia do passaporte, da carteirinha de vacinação e dos cartões de crédito, adaptador de tomada, dezenas de meias esportivas...

Outra coisa em que tínhamos de pensar eram os presentes que levaríamos: um dos programas em Delhi era jantar na casa do Tapas, o dono da agência de turismo (eles são assim. Querem receber a gente em sua intimidade). Uma lembrancinha para ele, a esposa e o filho viriam a calhar. Na montanha, também seríamos convidados a entrar na casa das pessoas e elas não esperavam por pagamento – um presente de gratidão seria simpático. Já tínhamos comprado colares, bijuterias de capim dourado; paçoca, doce de leite, mel e pé de moleque; sandálias Havaianas. Foi então que deparamos com uma informação sobre o Ladakh – estavam batalhando pelo banimento do plástico na região. Nós, na condição de defensoras desse princípio ecológico, recusando saquinho em supermercado, reciclando o lixo em casa e não jogando nem casca de amendoim no chão, adoramos a ideia, embora não soubéssemos como proceder... Tínhamos pensado em levar brinquedos para as crianças, mas isso reduzia muito nossas opções. Fomos até a OAF, no centro de São Paulo, e compramos brinquedos feitos justamente de plástico reciclado – isso poderia ajudá-los na reflexão e na conscientização. E lá fomos nós, muito lampeiras, com nossos presentes, nossas malas imensas e, no coração, um ponto de interrogação e outro de exclamação.


*OAF – R. dos Estudantes, 477 – SPaulo, SP – F: (011) 3208-5096 oafsp@uol.com.br

Índia e Tibete

Essa viagem para Israel, Jordânia e Egito foi muito legal e serviu bastante ao meu intento em percursos desse tipo, que consiste em observar e conviver com as pessoas e ‘beber’ as semelhanças e novidades. Poucas coisas na vida são melhores que essa oportunidade. Contudo, pelo menos até o momento, a viagem para a Índia é a que mora no fundo do meu coração. Aquele lugar cuja lembrança sempre provoca um sorriso cheio de carinho e saudade. Alguns dirão que é Barcelona; para outros será Miami ou o Rio de Janeiro. O destino para onde eu quero voltar é a Índia.

Sendo assim, eu vou pedir licença a quem me lê para contar causos e detalhes de minha estada na Índia, em junho/julho do ano passado.



Eu tinha estado na Índia a trabalho em 2007. Passei cinco dias lá – três em Delhi e um bate-volta até Agra. Essa última passagem era obrigatória porque dizem que há duas categorias de pessoas no mundo: aquelas que conhecem e aquelas que não conhecem o Taj Mahal. Era minha chance de mudar de nível! Com isso, em menos de uma semana, eu estava perdidamente apaixonada e certa de que voltaria àquele país.

Já no Brasil, conversando com minha amiga Monique, comentei que gostaria de conhecer a montanha, a parcela tibetana que ficou fora da China, conhecida como Jammu & Kashmir, mais especificamente a região do Ladakh, ou “o último Shangri-lá”. Ela logo se animou, até porque já nasceu pilhada. Meses depois, minhas amigas Cleyde e sua filha Priscila se juntaram a nosso petit comité. A Erika, que trabalhava com RH em atividade semelhante à da Monique, se agregou depois. O batalhão estava completo. E não é que tinha mais gente que queria subir o morro?!

Monique começou a abanar sua varinha de condão, pesquisando agências de viagem no Brasil, mas, diante da falta de garantias quanto aos riscos de chegarmos muito perto do Paquistão, procurou ajuda do consulado e obteve nomes de agências em Delhi. Começava a jornada...

A coisa toda era meio complicada: seria uma viagem de um mês feita por um grupo formado apenas por mulheres, seguindo de carro a maior parte do tempo. Eu explico: mulheres ainda não costumam viajar sozinhas por lá; o percurso que tínhamos escolhido era bem complexo; e também tem o lance das precárias estradas indianas – bem – é coisa de se ver. Como se não bastasse, eu queria andar de trem – o principal meio de transporte naquelas paragens. (é evidente que eu nunca tinha deparado com a plataforma de uma estação de trem indiana). Estaríamos lá em julho, que é a única época do ano (quatro meses) em que a neve derrete nas montanhas e é possível seguir pela estrada até o Ladakh. Passaríamos metade da viagem na montanha e a outra metade na planície, conhecendo também pontos turísticos mais tradicionais, pois era injusto elas irem até lá e não conhecerem Varanasi, o Taj Mahal, o Palácio dos Ventos, o Qutub Minar, o complexo de templos de Khajuraho... Embora a temporada fosse propícia para a montanha, as Monções estariam justamente chegando à planície e, com elas, a chuva e as enchentes. E um calor úmido aterrador.

Convenhamos que nada disso é costumeiro, mas nosso amigo Tapas – o dono da agência de turismo Trinetra – não se abatia diante das vicissitudes que a vida lhe impunha! Ele nos convenceu de que a viagem era possível quando prometeu um Sexta-feira. Friday mesmo. (Manja o amigo do Robinson Crusoé?) Era praticamente o marido ideal: colocaria as malas no carro e tiraria no fim de cada etapa da viagem, dirigiria sem reclamar se nós ficássemos em volta dizendo que estava indo rápido demais ou pedindo que ele parasse para fazermos xixi, indicaria os restaurantes com melhor qualidade, traduziria os cardápios e faria as refeições conosco, afastaria qualquer Zé Mané indesejável, entraria nas lojas conosco e ainda negociaria os descontos! Parecia um sonho promissor.