sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Areia no sapato

Mais uma situação insólita se soma a minhas aventuras em aduanas (vide post "Na Fronteira").


Esta semana, quando estávamos atravessando a fronteira do Egito para Israel, eles tinham decidido revistar tudo com fervor. No raio X, minha mala passou e voltou. Foi virada de lado, passou e voltou. Do outro lado. Passou e voltou. Cada vez que ia e voltava, juntava mais gente da aduana, confabulando. Me chamaram.

Parênteses: minha cunhada Patrícia é psicóloga e trabalha com uma técnica chamada sandplay. (Mais informações só com ela). Tudo que eu sei é que sempre que vou a uma praia diferente, ela diz "Se tiver uma areia legal, traz pra mim." E o mantra vai se repetindo o tempo todo. Quando estive no Tibete, achei que seria bacana levar uma areia que tinha sido pisada pelo próprio Buda. Adorou. Agora, estando NA Terra Santa, trouxe um monte de embalagens e peguei areia do Mar Morto, areia do Mar Vermelho, areia do Monte Sinai, areia de Saint Katherine e sua salsa ardente... Tinha uma meia dúzia de saquinhos. (e ela vai pagar pelo excesso de peso!)

Na verdade, o que tinha era uma meia dúzia de coisas que o robô que provavelmente mora dentro do raio X dizia "não tem registro, não tem registro". E eu, com esta cara de Mula. O militar me chamou, imagino que com a arma engatilhada. Não sei, não vi. E perguntou o que tinha dentro da minha mala. Eu respondi "roupa, compras, sapatos, cremes...".

- Tudo seu?
- Tudo meu. Ah, e tem areia de vários lugares. Sabe o que é? Deixa eu expli...

Ele não queria saber. Pegou um par de luvas de borracha, levantou uma sobrancelha, pediu para eu abrir a mala e começou a investigar tudo. Lá de dentro saía escaravelho, camelo de pelúcia, miniatura de múmia, chá beduíno... Parecia mala de mascate. Finalmente, lá no fundo, ele encontrou um saquinho cheio de areia. (Eu tinha avisado!) Fez cara de Sherlock, pegou o saquinho pelas beiradas enquanto o examinava com os olhos.

Eu mostrei a ele um papelzinho ali dentro, onde se lia “Mar Vermelho”. (Viu? Mar Vermelho. Areia.)

Ele caminhou até o fundo da sala e mostrou o achado a seu superior. Areia. Beleza. Me deu a oportunidade de refazer a ‘zona’ que é uma mala quando a gente está voltando de algum lugar. E seguimos viagem sem maiores distúrbios internacionais. Ainda perguntei a ele se areia podia. Podia.

Mas esta história ainda não acabou. Amanhã, passamos por uma aduana de Israel para o Brasil. Depois eu conto.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

África, Egito, Santa Catarina

Se eu lhe disser que estive em Santa Catarina, você vai responder que eu podia ter descido via Paraná que teria sido bem mais baratinho. Ora, veja. Para começar, Santa Catarina é uma santa de primeira linha. Bacana mesmo. Top 10!


Pois bem, da costa da Península do Sinai, seguimos por um deserto belissimo até chegarmos lá. Uma montanha com um mosteiro no topo. Ali dentro, vivem 25 monges ortodoxos e – pasme – uma mesquita. Tudo junto. Puro sincretismo religioso da mais baiana estirpe! Amei.

Também é ali dentro que fica a "salsa ardente", uma planta que queimou por muito tempo e ninguém conseguia apagar. Acredite ou não, mas ela continua lá - virou um arbusto vigoroso que não é regado por ninguém. Simplesmente não morre e vive de uma energia própria. Toquei nele.

Mas não ligue djá. Atrás do mosteiro tem uma montanha de areia vermelha. E à esquerda, outra de areia preta. Pois bem. Aquela vermelha é onde Moisés (juro!) ficou durante 40 dias e 40 noites esculpindo as tábuas dos 10 mandamentos. Po-de??????? E foi na preta que ele bateu um papo com o Divino. Por essa, nenhum de nós esperava. A gente nem imaginava que era ali que o Antigo Testamento praticamente aconteceu. Ali foi o lugar mais estranho, que deu uma sensação de estarmos caminhando pelas páginas da Bíblia.

Trouxe um punhado de terra de lá. Terra Santa.

Ali atrás do mosteiro, de onde se vê um raio de sol, fica a montanha vermelha.

Afinal de contas, eles estão em guerra ou não?

Especialmente no norte do país, nas colinas de Golan, passamos por muitos terrenos isolados por ainda haver minas não disparadas. Na verdade, pertinho de Haifa também havia áreas assim. Ali em Golan, também vimos velhas casas abandonadas com suas paredes metralhadas e áreas que foram usadas pelas forças armadas no combate à invasão síria em 1967, na Guerra dos Seis Dias.

Aliás, todo o tempo que passei em Israel, em quase todo lugar próximo das fronteiras e em Haifa, era comum ouvirmos grupos de caças F-16. Dizem que quando eles rompem a barreira do som, o deslocamento de ar é muito forte. Não sei. Mas ficou claro que eles vivem em estado de alerta, que treinam o tempo todo e que sempre lembram seus vizinhos de seu poderio bélico.

Por outro lado, o ensino é diferente no país. Quando terminam o correspondente ao Ensino Médio, todos – rapazes e moças – cumprem dois anos de serviço militar (exceto os judeus ortodoxos, que dedicam-se exclusivamente às orações e não à guerra). Depois disso, viajam ou arranjam um trabalho simples até resolver o que querem ser quando crescerem. O que equivale a dizer que é comum haver pessoas de quase 30 anos na graduação. Achei uma coisa excelente. Por outro lado, em qualquer parte a gente via ‘crianças’ do exército, em seus 18 anos, segurando trabucos enormes displicentemente. Não duvido que eles saibam usar aquelas traquitanas, mas não gostaria de estar na mira deles.

Deixa os casacos que lá no sul tá calor

Mentira!

Depois de Jerusalém, a gente vestiu camisetas e sandálias e seguiu rumo às areias escaldantes do sul do país.

Parênteses: falando 'sul do país', parece que é longe. Mas a gente abasteceu o carro quando deixou Haifa. Aí, parou em Jerusalém, parou no Mar Morto, parou num kibutz pra dormir, parou na fronteira com a Jordânia, parou na fronteira com o Egito. Quando chegou lááááááá no extremo sul do país, ainda tinha um terço de tanque. E depois, voltando direto lááááá do sul até Haifa, chegamos em 5 horas. Minúsculo!

Pois bem: seguimos rumo ao sul praticamente vestidos de turistas americanos, de bermuda e camisa florida. No Mar Morto, evitamos a água gelada na praia e optamos por ir a um dos vários spas, na piscina aquecida com aquela mesma água do mar. Coisa mais engraçada. Parece que a gente está nadando em Geleca. É bem gostoso, mas não dá pra mergulhar. E ainda parece que tem um creminho na pele da gente.

Dormimos no kibutz (depois eu conto mais) e, quando chegamos à Jordânia, todos só falavam na perspectiva de neve no dia seguinte... E a gente de regata... Toca comprar meia de lã, malha e gorro. O dia seguinte amanheceu com frio, vento, chuva e um granizo leve!!!! Nosso hotel era muito perto de Petra, então, seguimos a pé até lá. Valeu cada fio de cabelo molhado, cada dente batido, cada dedo gelado. O lugar é belíssimo e merece ter sido eleito uma das maravilhas do mundo. Só de entrada, tem um canyon estreito com mais de um quilômetro de extensão, onde se vêem pontos destinados a agricultura e esculturas escavadas na pedra. E as próprias pedras são um capítulo à parte, com cores e misturas muito variadas e lindas. De repente, a gente tromba com aquele portal belíssimo feito de pedra. Tem quase 30 metros de altura e quase 50 de largura. Faz a gente esquecer que está molhada e com frio.

No dia seguinte, rumávamos para o Egito. Contrariando as orientações de um militar para que ficássemos ali mesmo, enfrentamos um caminho com muita neve e gelo (cruzes!!!), lembrando daquelas famosas palavras "deixa os casacos que lá no sul tá calor".

Cachaça com homus

Anteontem, a Juliana e o Idan convidaram amigos para um churrasco aqui na varanda. Eles tinham comprado uma churrasqueira australiana bem bacana (que não solta fumaça nos apartamentos vizinhos) e queriam inaugurar. Compraram filé, asinhas de frango e kebab de cordeiro (é um tipo de hamburguinho). A gente fez salada verde e salada de berinjela no forno. A Monique fez farofa com linguiça kosher e farofa pronta Yoki. Eu preparei um molho vinagrete com uns legumes ótimos que tem por aqui. Também pusemos na roda uma cachaça envelhecida que eu tinha trazido para o Idan. Sobre a mesa, ainda se viam homus e pão árabe.

De fundo musical, um DVD de melhores acústicos da MTV brasileira.

Os amigos eram uma brasileira de Lajes e seu marido israelense, filho de russos e marroquinos. Entornando copinhos de cachaça, a gente ouvia os dois israelenses falando coisas como "a cobra vai fumar", "chama o síndico", "mão de vaca", "acorda pra cuspir" e "xi, marquinho". Com muita propriedade e um leve sotaque estranho. Coisa mais divertida.

Parecia que aqui era aí.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Iliterata

Faz quinze dias que estamos aqui. Em Israel, muitas pessoas falam inglês, especialmente nos lugares mais turísticos. Mas visitamos vários pontos mais restritos ao povo local, como a estação de esqui no Monte Hermon e Rosh Haniqrá, na fronteira com o Líbano. Em lugares como esses, a gente ouve as pessoas falando e se sente estranha, pois não reconhece nenhum som ou muito poucos. Na Jordânia e no Egito, foi a mesma coisa. A maioria das pessoas que alega falar inglês tem um vocabulário restrito ao trato com o turista - pontos de interesse, preços, ingredientes de pratos... Fica meio solitário.

Mas não importa se você está num grande shopping center ou comprando legumes numa banquinha drusa, numa estrada desolada do Golan. Essa foi uma sensação que marcou fortemente meu coração: eu consigo ler os números. Vejo se a loja oferece 30% de desconto ou se são vendidos 1 + 1. Mas não sei o que! Não consigo ler uma placa em frente a uma padaria. Nenhum outdoor. Muito menos a especialização de um médico na placa em frente ao consultório. A gente segue por avenidas e nada significa nada. Entra no mercado e não entende nenhum rótulo. Não sabe para onde vão os ônibus que passam.

A sensação é medonha e eu fiquei imaginando o que é não ter alternativa - não saber ler. Me senti menos gente. Não-cidadã. Deficiente.

Há um Deus?

No último ano, fiz duas viagens que me foram muito importantes - Tibet e Índia e, agora, Israel e Egito. Nasci católica apostólica romana, frequentei a igreja messiânica, conheci um pouco de religiões afrobrasileiras. Nessas duas jornadas, arranhei a superfície do budismo, hinduísmo e judaísmo. Mas se você me perguntar se assumi uma dessas religiões como a minha verdade, vou ter que dizer que não. Cada vez eu me torno menos seguidora de qualquer uma delas e mais feliz por ter feito contato com um Deus, uma força da natureza, uma energia de vida, um extraterrestre, algo inominável, sei lá. Ele é esperto, pois encontrou formas variadas de tocar o coração dos homens, aqueles que acreditam nele e aqueles que não. Os que não acreditam puderam se inserir em grupos pró-natureza, pró-armas, pró-crianças, pró-idosos, anti-semitas, anti-gay, hooligans... De alguma forma, todos foram se organizando em torno de seus próprios deuses e crenças, ajudando uns aos outros e formando comunidades. Infelizmente, cada um desses grupos jura que encontrou a verdade indiscutível.

Tomara que esse ser ou entidade tenha um plano B...

Tudo bem em Jerusalém

A parte velha de Jerusalém é organizada em 'quarters'. São partes dela, na verdade. É interessante caminhar por eles. Só evitamos a parte dos ortodoxos, reconhecidos extremistas que têm arranjado encrencas sucessivas com a polícia e os demais grupos religiosos, inclusive os próprios judeus, exigindo que os seus preceitos sejam compartilhados por toda a cidade. Ainda assim, é possível circular sem problemas pelos demais: cristão, judeu, muçulmano e armênio.

Nós entramos por um portão que se chama Damasco. Caímos direto num mercado persa (persa?) com barracas que vendiam legumes, importados, tecidos, sucos, sanduíches, brinquedos, sapatos, roupas. De um pequeno pátio aberto, seguimos por uma galeria estreita ladeada por infinitas barracas e aquele barulho característico. 200 metros a pé e chegamos ao nosso hotel. Largamos as malas e continuamos em frente. Mais 50 metros e uma placa na esquina declarava que chegáramos à Via Dolorosa.

Juliana tinha comprado um livro sobre as várias facetas de Jerusalém e foi orientando nosso percurso com uma leitura cheia de cor - a prisão, o julgamento, a caminhada, o primeiro tombo, a mãe, mais um tropeço, a mão apoiada na parede, o terceiro tombo, novamente a mãe em sua dor incurável, as mulheres em prantos, a chegada ao local onde seria fincada a cruz e a marca, metros abaixo, de onde a rocha dura se rompeu naquele momento. O local do sepultamento. As capelas de várias vertentes em volta. À nossa passagem, avistávamos lojas e bancas emparelhadas formando um longo mercado. No chão, aqui e ali, pedras do século zero. Aquelas mesmas...

Passamos no hotel e, agasalhados, rumamos para o Jewish Quarter, cruzando o barulhento bairro muçulmano. Ali, o que se via eram lojinhas também enfileiradas, embora com outros produtos à venda - não mais crucifixos, e sim bijouterias vistosas, lenços de cabeça, longas vestes escuras e produtos de maquiagem para os olhos.

Ao chegarmos ao bairro judeu, uma Jerusalém diferente surgia. Paredes e calçamentos refeitos, lojas de grife e galerias de arte. Ruas mais largas e com menos gente. Seguimos calmos em direção ao Muro das Lamentações. De repente, um jardim e escadarias que desciam. Ao fundo, lá estava ele.

A gente lamenta que as coisas sejam assim, mas passa por nova revista de bolsas e raio X (aliás, isso acontece até para entrar em shopping center). A partir de um pátio largo, os 50 metros de muro que sobraram são divididos em duas metades, sendo uma para homens e outra para mulheres. Parei no pátio e pensei nas pessoas que amo. Fiz uma listinha de nomes (sim, sim, o seu está ali!) e segui até lá. Com a testa apoiada no muro ou sentadas em cadeiras, dezenas de mulheres em silêncio. Aqui, a fé assumia nova dimensão, sem cerimônias, sem luxo, sem cânticos, sem fotos. Só fervor compenetrado. Conversei com meus próprios anjos, coloquei meu papelzinho num vão do muro e saí de costas, como todas as demais - ninguém fica de costas para o Muro. Você vai andando para trás devagar, continua refletindo. E exatamente atrás do Muro, vê a cúpula dourada da Grande Mesquita, um dos principais templos muçulmanos. Estava sol e tudo parecia em paz...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Houve sim

Você pode ter a crença que for. Pode até ser agnóstico ou ateu. Mas houve um Herodes. Seu palácio continua no alto de uma montanha. Houve um Pilatos, pois as placas nos muros anotam o local onde ele lavou as mãos e tentou se eximir da responsabilidade de decidir entre a vida e a morte de outros.
Pode também acreditar que os fatos não ocorreram exatamente como são narrados, os locais não são exatamente aqueles marcados, as datas são imprecisas ou falta lógica à ordem das ações relatadas.

Mas um homem andou por aquelas pedras, carregou uma cruz, encontrou sua mãe duas vezes, caiu três, pediu às mulheres que não chorassem por ele, mas por seus próprios filhos. A versão é melhor que a precisão, quando se cria uma história com tal magnitude que mobiliza tantas pessoas por tanto tempo.

Você segue pela Via Dolorosa acompanhando os passos dele. Qualquer guia te dá a sequência. Mas quando chega ao Santo Sepulcro, a lógica se perde e só se sente emoção. À sua volta, capelas franciscana, ortodoxa, dominicana... todas coexistindo num único edifício. No centro disso tudo, eles enfeitaram e transformaram uma tumba num monumento. Você entra e, de um grande hall, passa por uma sala menor que sua própria decoração. Então, se curva para chegar ao túmulo. E se prostra diante de uma caixa de mármore liso que mal cabe naquele cubículo. A luz amarelada e fraca deixa claro que o que você vê ali extrapola o luxo. E você não questiona se um corpo foi sepultado ali dentro. 2000 anos de fé e amor tocam seu coração.

E voce crê. Crê que houve alguém. Crê num mundo melhor.