terça-feira, 18 de maio de 2010

Bollywood

Eis o grupo que foi para a Índia e o propósito. Esta era para ser uma caricatura em imagem. Virou uma
caricatura em palavras. Faça o desenho na sua cabeça!

Imagine cinco mulheres, cada qual com um colar de flores em volta do pescoço (todo hotel acolhe a gente com esse carinho).

Monique segue na frente, muito alta, loira e apressada, com um mapa aberto numa mão e uma máquina fotográfica na outra. Ela chama as demais enquanto liga para a agência e, simultaneamente, indica um ponto turístico e telefona para o Zé, seu marido, para saber se está tudo bem. Se surpreende a cada pinheiro, vaca ou pedregulho que vê, gritando Uôu!

Priscila, pequena, com uma filmadora e usando o uniforme de Super Dínamo. Ela entoa mantras e, dotada de ousadia, ameaça se atirar de despenhadeiros pendurada num lenço dobrado como asa delta, pular de cachoeiras em cima de um bote/casca de amêndoa ou dirigir caminhões com os olhos vendados. Amarrou uma corda no pulso do nosso Sexta-feira e o obriga a ficar repetindo os versos do Mahabharata na ordem correta.

Cleyde, sua mãe, vem voando no lindo tapete que comprou enquanto dá voos rasantes e tenta arrancar o troco da mão de um vendedor, alegando que o preço ainda não está bom. Cada vez que larga o pescoço dele, pede que lhe traga um tchai. Está com a roupa da Smurfette.

Erika vem vestida num traje típico chamado Punjab com muitas jóias no pescoço e nos pulsos. Arrasta uma mala imensa e vai arrancando coisas de dentro dela, dizendo que ainda está muito pesada e que não vão deixá-la embarcar no próximo voo. Lá dentro, por um buraco no zíper que teima em não fechar mais, vê-se kit de manicure, serra tico-tico, trena, grão-de-bico, fumo de corda, rolhas de diversos tamanhos, pó de mico...

Elidia veste um casaco e aponta para cada floco de neve, por mais minúsculo que seja. Come pimentas enormes, sorrindo. A cada metro, pega mais uma pedra no chão e anota onde a encontrou – sua mala já parece um carrinho de mão. Traz um caderninho amarelo numa mão e, na outra, lápis, borracha e apontador. Escreve ali cada suspiro que as outras dão. Reclama que sua bota está suja, enquanto tem ideias compulsivamente. Nenhuma delas vale a pena.

Ao lado delas, vê-se uma van branca com os quatro pneus arriados pelo peso da bagagem.

O guia, conhecido como Sexta-feira, é um ponto de interrogação miúdo e tenta explicar coisas para as cinco ou indicar-lhes um caminho, inevitavelmente sem sucesso. E as perguntas e os pedidos se sucedem e se sobrepõem – elas pedem para fazer xixi, fechar a janela do carro, gritam nas curvas fechadas. Falam, todas, ao mesmo tempo. O pobre diabo dirige a van cada vez mais rápido, tentando deixar o barulho delas para trás. Pensa em outras profissões possíveis, mesmo que não sejam rentáveis. Há situações em que dinheiro é o de menos...

Em volta desta cena de terror, 22 milhões de peregrinos em roupas cor de laranja, tocando apitos e buzinas. Vêm de todas as direções em motos, bicicletas, tuc-tucs, caminhões e carros e seguem para o Rio Ganges. Monges tibetanos meditam, tentando manter a sanidade. Vacas, iaques, cachorros, camelos, elefantes, dromedários, cabras, carneiros, búfalos, cavalos e jumentos também estão presos no congestionamento. Ao fundo disso tudo, vê-se uma ponta do Himalaia, um pedaço do Taj Mahal, uma lojinha de incensos e a placa indicativa de um hotel.

E como dizem os indianos, “Chalô!” (Vamos!)

sábado, 3 de abril de 2010

Que mala!

Era o primeiro semestre de 2009 quando batemos o martelo. Faríamos essa viagem de um mês para a Índia e o Tibete. De todo lado, nos vinham orientações de pessoas que já conheciam o país, de pessoas que tinham lido a respeito, assistido a novela Caminho das Índias, pesquisado na internet, conheciam alguém que tinha passado mal com a comida em um restaurante indiano (ou seria tailandês?) de Jundiaí (não era em São Miguel do Gostoso?), queriam nos fazer encomendas de batas e de indianos com a cara do Raj-da-novela... Todo mundo conhecia alguém que tinha uma vizinha que tinha sido atacada por um motorista de taxi ensandecido ou um primo que morava perto de um homem que tinha tido alergia da água do Ganges (ou era do Nilo?). De toda parte, chegavam ideias, sugestões e alertas.

Eis algumas das orientações que recebemos antes de viajar:

- Não beba água, a não ser que seja mineral e venha em garrafas lacradas. Ou opte por refrigerante.
- Não toque nas pessoas, especialmente nos homens. Eles não estão acostumados ao contato físico.
- Nunca saia sozinha, pois mulheres não andam desacompanhadas na Índia.
- Cubra a cabeça, especialmente nos lugares sagrados. Tenha sempre um lenço ou xale à mão.
- A Índia é suja e cheia de lixo. Leve álcool-gel e toalhinhas umedecidas.
- Leve barrinhas de cereais, pois vocês vão morrer de fome.
- Leve remédios para digestão, pois a comida é exótica, para dizer o mínimo.
- Leve um bom repelente de insetos.
- Para entrar na Índia, é obrigatória a comprovação da vacina contra febre amarela. Já que você vai ao centro de saúde, aproveite e tome vacinas contra Hepatite A e B, Tétano e o que mais houver na prateleira.
- Cuidado com trombadinhas, pois o país está cheio de miseráveis.
- Os motoristas de taxi decidem para onde levam os passageiros, independente da orientação que recebam.
- Os indianos que trabalham no turismo falam inglês.
- Os indianos se atrasam. Seu conceito de pontualidade é muito diferente do ocidental. Sempre considere isso, especialmente quando for para o aeroporto ou a compromissos com hora marcada.
- Prepare-se para tirar os sapatos em qualquer lugar onde entrar. Sempre calce meias, mesmo no calor, por causa das pedras dos pisos, que ficam muito quentes no verão.
- Os indianos comem com a mão direita. Com a esquerda, eles se limpam. Cuidado ao usar a mão esquerda para qualquer coisa, como, por exemplo, tocar alguém.
- Cubra o nariz em Varanasi, pois o Ganges é fedorento e cheio de cadáveres boiando.

Com isso, a lista de coisas obrigatórias na bagagem só fazia crescer. Tínhamos que prever a pressão alta, a pressão baixa, o intestino preso, o intestino desarranjado, as bolhas no pé, o botão caído da roupa, a desidratação, o cabelo branco cujas raízes estariam aparecendo ao cabo de um mês, a pele ressecada, a falta de luz... Com isso tudo, até o dia de partir, nossas malas já tinham kit de manicure, kit de costura, kit de primeiros socorros e remédios para toda doença e mal-estar possíveis, seringa descartável, calcinhas descartáveis, lenços de papel, papel higiênico, hidratante (vários potes), chapéu, xale, máquina fotográfica, binóculos, lanterna, pen drive, cópia do passaporte, da carteirinha de vacinação e dos cartões de crédito, adaptador de tomada, dezenas de meias esportivas...

Outra coisa em que tínhamos de pensar eram os presentes que levaríamos: um dos programas em Delhi era jantar na casa do Tapas, o dono da agência de turismo (eles são assim. Querem receber a gente em sua intimidade). Uma lembrancinha para ele, a esposa e o filho viriam a calhar. Na montanha, também seríamos convidados a entrar na casa das pessoas e elas não esperavam por pagamento – um presente de gratidão seria simpático. Já tínhamos comprado colares, bijuterias de capim dourado; paçoca, doce de leite, mel e pé de moleque; sandálias Havaianas. Foi então que deparamos com uma informação sobre o Ladakh – estavam batalhando pelo banimento do plástico na região. Nós, na condição de defensoras desse princípio ecológico, recusando saquinho em supermercado, reciclando o lixo em casa e não jogando nem casca de amendoim no chão, adoramos a ideia, embora não soubéssemos como proceder... Tínhamos pensado em levar brinquedos para as crianças, mas isso reduzia muito nossas opções. Fomos até a OAF, no centro de São Paulo, e compramos brinquedos feitos justamente de plástico reciclado – isso poderia ajudá-los na reflexão e na conscientização. E lá fomos nós, muito lampeiras, com nossos presentes, nossas malas imensas e, no coração, um ponto de interrogação e outro de exclamação.


*OAF – R. dos Estudantes, 477 – SPaulo, SP – F: (011) 3208-5096 oafsp@uol.com.br

Índia e Tibete

Essa viagem para Israel, Jordânia e Egito foi muito legal e serviu bastante ao meu intento em percursos desse tipo, que consiste em observar e conviver com as pessoas e ‘beber’ as semelhanças e novidades. Poucas coisas na vida são melhores que essa oportunidade. Contudo, pelo menos até o momento, a viagem para a Índia é a que mora no fundo do meu coração. Aquele lugar cuja lembrança sempre provoca um sorriso cheio de carinho e saudade. Alguns dirão que é Barcelona; para outros será Miami ou o Rio de Janeiro. O destino para onde eu quero voltar é a Índia.

Sendo assim, eu vou pedir licença a quem me lê para contar causos e detalhes de minha estada na Índia, em junho/julho do ano passado.



Eu tinha estado na Índia a trabalho em 2007. Passei cinco dias lá – três em Delhi e um bate-volta até Agra. Essa última passagem era obrigatória porque dizem que há duas categorias de pessoas no mundo: aquelas que conhecem e aquelas que não conhecem o Taj Mahal. Era minha chance de mudar de nível! Com isso, em menos de uma semana, eu estava perdidamente apaixonada e certa de que voltaria àquele país.

Já no Brasil, conversando com minha amiga Monique, comentei que gostaria de conhecer a montanha, a parcela tibetana que ficou fora da China, conhecida como Jammu & Kashmir, mais especificamente a região do Ladakh, ou “o último Shangri-lá”. Ela logo se animou, até porque já nasceu pilhada. Meses depois, minhas amigas Cleyde e sua filha Priscila se juntaram a nosso petit comité. A Erika, que trabalhava com RH em atividade semelhante à da Monique, se agregou depois. O batalhão estava completo. E não é que tinha mais gente que queria subir o morro?!

Monique começou a abanar sua varinha de condão, pesquisando agências de viagem no Brasil, mas, diante da falta de garantias quanto aos riscos de chegarmos muito perto do Paquistão, procurou ajuda do consulado e obteve nomes de agências em Delhi. Começava a jornada...

A coisa toda era meio complicada: seria uma viagem de um mês feita por um grupo formado apenas por mulheres, seguindo de carro a maior parte do tempo. Eu explico: mulheres ainda não costumam viajar sozinhas por lá; o percurso que tínhamos escolhido era bem complexo; e também tem o lance das precárias estradas indianas – bem – é coisa de se ver. Como se não bastasse, eu queria andar de trem – o principal meio de transporte naquelas paragens. (é evidente que eu nunca tinha deparado com a plataforma de uma estação de trem indiana). Estaríamos lá em julho, que é a única época do ano (quatro meses) em que a neve derrete nas montanhas e é possível seguir pela estrada até o Ladakh. Passaríamos metade da viagem na montanha e a outra metade na planície, conhecendo também pontos turísticos mais tradicionais, pois era injusto elas irem até lá e não conhecerem Varanasi, o Taj Mahal, o Palácio dos Ventos, o Qutub Minar, o complexo de templos de Khajuraho... Embora a temporada fosse propícia para a montanha, as Monções estariam justamente chegando à planície e, com elas, a chuva e as enchentes. E um calor úmido aterrador.

Convenhamos que nada disso é costumeiro, mas nosso amigo Tapas – o dono da agência de turismo Trinetra – não se abatia diante das vicissitudes que a vida lhe impunha! Ele nos convenceu de que a viagem era possível quando prometeu um Sexta-feira. Friday mesmo. (Manja o amigo do Robinson Crusoé?) Era praticamente o marido ideal: colocaria as malas no carro e tiraria no fim de cada etapa da viagem, dirigiria sem reclamar se nós ficássemos em volta dizendo que estava indo rápido demais ou pedindo que ele parasse para fazermos xixi, indicaria os restaurantes com melhor qualidade, traduziria os cardápios e faria as refeições conosco, afastaria qualquer Zé Mané indesejável, entraria nas lojas conosco e ainda negociaria os descontos! Parecia um sonho promissor.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Não é o Brasil

Quando chegamos a Israel, minha primeira impressão foi dúbia: ora eu achava que era tudo igual embora em continentes diferentes. Dali a pouco, parecia que estávamos a galáxias de distância. O fato é que, fora aquele lance de brigar com os vizinhos fora do campo de futebol, o dia-a-dia deles é bem parecido com o nosso. No prédio, tem sempre um morador que ocupa a vaga do outro, larga o carrinho de compras fora do lugar ou leva o cachorro para fazer cocô na entrada de visitantes. Eles também encrencam com atendentes em serviço de atendimento ao cliente e com seguranças de shopping. Ainda assim, algumas coisas simplesmente não acontecem no Brasil. Por exemplo:
  • Quem segura aqueles imensos pirulitos amarelos e organiza o tráfego quando as crianças estão saindo da escola são outras crianças. Sério. Tipo 9 ou 10 anos de idade. E funciona!
  • Os israelenses fazem uma coisa por vez. Se eles trabalham numa loja e estão conversando com você, suponhamos que o telefone comece a tocar ensandecidamente. Problema dele. Eles nem se abalam. Afinal de contas, se a pessoa realmente quiser falar com eles, volta a ligar.
  • Judeus, muçulmanos e druzos vivem no país. Mas cada um ocupa sua vila, frequenta suas escolas e preserva seus costumes.
  • Era a segunda vez que íamos a uma casa de câmbio para trocar dólares por shekels. O atendente sorriu, deu-nos balas e abençoou nossas vidas. Nem era tanto dinheiro assim!
  • Se você procurar banana, só tem nanica. E é meio sem gosto. Mas como eles fazem o jogo do contente, justificam dizendo que os israelenses não gostam de frutas muito doces. (é boa, vá!)
  • Em ruas de duas mãos, a faixa do meio é branca. A faixa amarela - contínua ou descontínua - é um ícone por estas plagas. Mas lá, você precisa prestar mais atenção à sinalização para não dar de cara com um ônibus.
  • Visitamos um kibutz antroposófico (tipo sincretismo religioso, manja? Israel + Alemanha!!). O negócio é tão avançado que eles usam oshibori (aquela toalhinha aquecida que a gente usa para limpar as mãos em restaurantes japoneses) para higienizar o úbere das vacas. Adicionalmente, a textura do tecido é parecida  com a língua do bezerro e estimula o leite. E é claro que eles usam uma toalhinha por úbere e depois mandam para a lavanderia a quente. Super!
  • O tabule é feito com salsinha, cebola e trigo. Não tem esse lance de tomate. É muito gostoso.
  • A arquitetura é sóbria. Eles não têm as invencionices que a gente vê por aqui. As linhas são retas. Os carros também têm linha mais tradicional.
  • Quando o avião aterra, todos aplaudem o piloto. Não importa se houve turbulência ou qualquer dificuldade no pouso.
  • Romãs têm cor. E sabor!
  • Estávamos no hotel de Jerusalém. Zé perguntou ao garçon "Tem água?" e, em resposta, ouviu "Tem shekels?"
  • A gente fala muito pouco com as mulheres em qualquer um desses países, especialmente naqueles de cultura muçulmana. No Egito, os homens são muito brincalhões: diziam que o Zé tinha 3 esposas (Monique, Juliana e eu) e faziam ofertas para troca por camelos.
  • Assim como na Índia, há grande prazer em negociar. Os preços marcados nos produtos raramente são finais.
  • Numa loja em Petra, o vendedor estava sozinho e nos deixou à vontade enquanto ia até o fundo para preparar chá para nós. Tudo na confiança.
  • Sempre que nos perguntavam de onde éramos, sorriam ao ouvir "Brasil". Em seguida, fatalmente diziam "Ronaldo" ou "futebol". E o passaporte brasileiro foi sempre bem-vindo e recebido com entusiasmo. 

domingo, 21 de março de 2010

Qual é o preço da gasolina?

Qual é o preço da gasolina naqueles célebres países produtores, que aprontaram tremenda confusão nos anos 80? Lembra da OPEP? A gente supunha que eles viviam em seus cáftans, jogando Mercedes potentes na areia e queimando notas de 100 dólares para acender seus narguilés. (Bem, eu continuo achando que eles faziam isso mesmo.)

O que encontramos foram países mais desenvolvidos ou mais atrasados, com mais areia ou mais área irrigada. Mas as estradas são ótimas e as Mercedes e Jaguares continuam rugindo, agora em ambientes mais propícios para suas privilegiadas estruturas. Mas quanto se paga pelo combustível na bomba? No Egito, um litro de diesel custa o equivalente a R$ 0,35 e o litro da gasolina, R$ 0,59 (sem etanol!!).

Em Israel, com guerra e tudo o mais, paga-se R$ 2,66 pelo litro de gasolina normal e R$ 3,34 pela especial, enquanto o diesel custa o equivalente a R$ 4,71.

Lembrando que, nesta data, os preços praticados aqui (valores de São Paulo) - com aquela misturinha de álcool etílico, a gasolina normal custa entre R$ 2,20 e R$ 3, enquanto o diesel está custando de R$ 1,70 a R$ 2,40. E olha que a gente jura que tem todo o estoque de combustível fóssil para os próximos anos...

sexta-feira, 5 de março de 2010

História em Quadrinhos

Bem, já faz uns dias que a gente chegou ao Brasil e eu ainda não contei como foi a experiência na saída de Tel Aviv. É mais uma que vai reforçar o histórico em aduanas. Amanhã eu escrevo.

Enquanto isso, envio o link para o álbum Picasa que finalmente está pronto. Espero que funcione e que dê para ver as legendas. (Com elas, fica beeem mais fácil pra entender)



Se vocês tiverem curiosidade de espiar as fotos, por favor, depois me contem se deu certo o acesso, OK?



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Areia no sapato

Mais uma situação insólita se soma a minhas aventuras em aduanas (vide post "Na Fronteira").


Esta semana, quando estávamos atravessando a fronteira do Egito para Israel, eles tinham decidido revistar tudo com fervor. No raio X, minha mala passou e voltou. Foi virada de lado, passou e voltou. Do outro lado. Passou e voltou. Cada vez que ia e voltava, juntava mais gente da aduana, confabulando. Me chamaram.

Parênteses: minha cunhada Patrícia é psicóloga e trabalha com uma técnica chamada sandplay. (Mais informações só com ela). Tudo que eu sei é que sempre que vou a uma praia diferente, ela diz "Se tiver uma areia legal, traz pra mim." E o mantra vai se repetindo o tempo todo. Quando estive no Tibete, achei que seria bacana levar uma areia que tinha sido pisada pelo próprio Buda. Adorou. Agora, estando NA Terra Santa, trouxe um monte de embalagens e peguei areia do Mar Morto, areia do Mar Vermelho, areia do Monte Sinai, areia de Saint Katherine e sua salsa ardente... Tinha uma meia dúzia de saquinhos. (e ela vai pagar pelo excesso de peso!)

Na verdade, o que tinha era uma meia dúzia de coisas que o robô que provavelmente mora dentro do raio X dizia "não tem registro, não tem registro". E eu, com esta cara de Mula. O militar me chamou, imagino que com a arma engatilhada. Não sei, não vi. E perguntou o que tinha dentro da minha mala. Eu respondi "roupa, compras, sapatos, cremes...".

- Tudo seu?
- Tudo meu. Ah, e tem areia de vários lugares. Sabe o que é? Deixa eu expli...

Ele não queria saber. Pegou um par de luvas de borracha, levantou uma sobrancelha, pediu para eu abrir a mala e começou a investigar tudo. Lá de dentro saía escaravelho, camelo de pelúcia, miniatura de múmia, chá beduíno... Parecia mala de mascate. Finalmente, lá no fundo, ele encontrou um saquinho cheio de areia. (Eu tinha avisado!) Fez cara de Sherlock, pegou o saquinho pelas beiradas enquanto o examinava com os olhos.

Eu mostrei a ele um papelzinho ali dentro, onde se lia “Mar Vermelho”. (Viu? Mar Vermelho. Areia.)

Ele caminhou até o fundo da sala e mostrou o achado a seu superior. Areia. Beleza. Me deu a oportunidade de refazer a ‘zona’ que é uma mala quando a gente está voltando de algum lugar. E seguimos viagem sem maiores distúrbios internacionais. Ainda perguntei a ele se areia podia. Podia.

Mas esta história ainda não acabou. Amanhã, passamos por uma aduana de Israel para o Brasil. Depois eu conto.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

África, Egito, Santa Catarina

Se eu lhe disser que estive em Santa Catarina, você vai responder que eu podia ter descido via Paraná que teria sido bem mais baratinho. Ora, veja. Para começar, Santa Catarina é uma santa de primeira linha. Bacana mesmo. Top 10!


Pois bem, da costa da Península do Sinai, seguimos por um deserto belissimo até chegarmos lá. Uma montanha com um mosteiro no topo. Ali dentro, vivem 25 monges ortodoxos e – pasme – uma mesquita. Tudo junto. Puro sincretismo religioso da mais baiana estirpe! Amei.

Também é ali dentro que fica a "salsa ardente", uma planta que queimou por muito tempo e ninguém conseguia apagar. Acredite ou não, mas ela continua lá - virou um arbusto vigoroso que não é regado por ninguém. Simplesmente não morre e vive de uma energia própria. Toquei nele.

Mas não ligue djá. Atrás do mosteiro tem uma montanha de areia vermelha. E à esquerda, outra de areia preta. Pois bem. Aquela vermelha é onde Moisés (juro!) ficou durante 40 dias e 40 noites esculpindo as tábuas dos 10 mandamentos. Po-de??????? E foi na preta que ele bateu um papo com o Divino. Por essa, nenhum de nós esperava. A gente nem imaginava que era ali que o Antigo Testamento praticamente aconteceu. Ali foi o lugar mais estranho, que deu uma sensação de estarmos caminhando pelas páginas da Bíblia.

Trouxe um punhado de terra de lá. Terra Santa.

Ali atrás do mosteiro, de onde se vê um raio de sol, fica a montanha vermelha.

Afinal de contas, eles estão em guerra ou não?

Especialmente no norte do país, nas colinas de Golan, passamos por muitos terrenos isolados por ainda haver minas não disparadas. Na verdade, pertinho de Haifa também havia áreas assim. Ali em Golan, também vimos velhas casas abandonadas com suas paredes metralhadas e áreas que foram usadas pelas forças armadas no combate à invasão síria em 1967, na Guerra dos Seis Dias.

Aliás, todo o tempo que passei em Israel, em quase todo lugar próximo das fronteiras e em Haifa, era comum ouvirmos grupos de caças F-16. Dizem que quando eles rompem a barreira do som, o deslocamento de ar é muito forte. Não sei. Mas ficou claro que eles vivem em estado de alerta, que treinam o tempo todo e que sempre lembram seus vizinhos de seu poderio bélico.

Por outro lado, o ensino é diferente no país. Quando terminam o correspondente ao Ensino Médio, todos – rapazes e moças – cumprem dois anos de serviço militar (exceto os judeus ortodoxos, que dedicam-se exclusivamente às orações e não à guerra). Depois disso, viajam ou arranjam um trabalho simples até resolver o que querem ser quando crescerem. O que equivale a dizer que é comum haver pessoas de quase 30 anos na graduação. Achei uma coisa excelente. Por outro lado, em qualquer parte a gente via ‘crianças’ do exército, em seus 18 anos, segurando trabucos enormes displicentemente. Não duvido que eles saibam usar aquelas traquitanas, mas não gostaria de estar na mira deles.

Deixa os casacos que lá no sul tá calor

Mentira!

Depois de Jerusalém, a gente vestiu camisetas e sandálias e seguiu rumo às areias escaldantes do sul do país.

Parênteses: falando 'sul do país', parece que é longe. Mas a gente abasteceu o carro quando deixou Haifa. Aí, parou em Jerusalém, parou no Mar Morto, parou num kibutz pra dormir, parou na fronteira com a Jordânia, parou na fronteira com o Egito. Quando chegou lááááááá no extremo sul do país, ainda tinha um terço de tanque. E depois, voltando direto lááááá do sul até Haifa, chegamos em 5 horas. Minúsculo!

Pois bem: seguimos rumo ao sul praticamente vestidos de turistas americanos, de bermuda e camisa florida. No Mar Morto, evitamos a água gelada na praia e optamos por ir a um dos vários spas, na piscina aquecida com aquela mesma água do mar. Coisa mais engraçada. Parece que a gente está nadando em Geleca. É bem gostoso, mas não dá pra mergulhar. E ainda parece que tem um creminho na pele da gente.

Dormimos no kibutz (depois eu conto mais) e, quando chegamos à Jordânia, todos só falavam na perspectiva de neve no dia seguinte... E a gente de regata... Toca comprar meia de lã, malha e gorro. O dia seguinte amanheceu com frio, vento, chuva e um granizo leve!!!! Nosso hotel era muito perto de Petra, então, seguimos a pé até lá. Valeu cada fio de cabelo molhado, cada dente batido, cada dedo gelado. O lugar é belíssimo e merece ter sido eleito uma das maravilhas do mundo. Só de entrada, tem um canyon estreito com mais de um quilômetro de extensão, onde se vêem pontos destinados a agricultura e esculturas escavadas na pedra. E as próprias pedras são um capítulo à parte, com cores e misturas muito variadas e lindas. De repente, a gente tromba com aquele portal belíssimo feito de pedra. Tem quase 30 metros de altura e quase 50 de largura. Faz a gente esquecer que está molhada e com frio.

No dia seguinte, rumávamos para o Egito. Contrariando as orientações de um militar para que ficássemos ali mesmo, enfrentamos um caminho com muita neve e gelo (cruzes!!!), lembrando daquelas famosas palavras "deixa os casacos que lá no sul tá calor".

Cachaça com homus

Anteontem, a Juliana e o Idan convidaram amigos para um churrasco aqui na varanda. Eles tinham comprado uma churrasqueira australiana bem bacana (que não solta fumaça nos apartamentos vizinhos) e queriam inaugurar. Compraram filé, asinhas de frango e kebab de cordeiro (é um tipo de hamburguinho). A gente fez salada verde e salada de berinjela no forno. A Monique fez farofa com linguiça kosher e farofa pronta Yoki. Eu preparei um molho vinagrete com uns legumes ótimos que tem por aqui. Também pusemos na roda uma cachaça envelhecida que eu tinha trazido para o Idan. Sobre a mesa, ainda se viam homus e pão árabe.

De fundo musical, um DVD de melhores acústicos da MTV brasileira.

Os amigos eram uma brasileira de Lajes e seu marido israelense, filho de russos e marroquinos. Entornando copinhos de cachaça, a gente ouvia os dois israelenses falando coisas como "a cobra vai fumar", "chama o síndico", "mão de vaca", "acorda pra cuspir" e "xi, marquinho". Com muita propriedade e um leve sotaque estranho. Coisa mais divertida.

Parecia que aqui era aí.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Iliterata

Faz quinze dias que estamos aqui. Em Israel, muitas pessoas falam inglês, especialmente nos lugares mais turísticos. Mas visitamos vários pontos mais restritos ao povo local, como a estação de esqui no Monte Hermon e Rosh Haniqrá, na fronteira com o Líbano. Em lugares como esses, a gente ouve as pessoas falando e se sente estranha, pois não reconhece nenhum som ou muito poucos. Na Jordânia e no Egito, foi a mesma coisa. A maioria das pessoas que alega falar inglês tem um vocabulário restrito ao trato com o turista - pontos de interesse, preços, ingredientes de pratos... Fica meio solitário.

Mas não importa se você está num grande shopping center ou comprando legumes numa banquinha drusa, numa estrada desolada do Golan. Essa foi uma sensação que marcou fortemente meu coração: eu consigo ler os números. Vejo se a loja oferece 30% de desconto ou se são vendidos 1 + 1. Mas não sei o que! Não consigo ler uma placa em frente a uma padaria. Nenhum outdoor. Muito menos a especialização de um médico na placa em frente ao consultório. A gente segue por avenidas e nada significa nada. Entra no mercado e não entende nenhum rótulo. Não sabe para onde vão os ônibus que passam.

A sensação é medonha e eu fiquei imaginando o que é não ter alternativa - não saber ler. Me senti menos gente. Não-cidadã. Deficiente.

Há um Deus?

No último ano, fiz duas viagens que me foram muito importantes - Tibet e Índia e, agora, Israel e Egito. Nasci católica apostólica romana, frequentei a igreja messiânica, conheci um pouco de religiões afrobrasileiras. Nessas duas jornadas, arranhei a superfície do budismo, hinduísmo e judaísmo. Mas se você me perguntar se assumi uma dessas religiões como a minha verdade, vou ter que dizer que não. Cada vez eu me torno menos seguidora de qualquer uma delas e mais feliz por ter feito contato com um Deus, uma força da natureza, uma energia de vida, um extraterrestre, algo inominável, sei lá. Ele é esperto, pois encontrou formas variadas de tocar o coração dos homens, aqueles que acreditam nele e aqueles que não. Os que não acreditam puderam se inserir em grupos pró-natureza, pró-armas, pró-crianças, pró-idosos, anti-semitas, anti-gay, hooligans... De alguma forma, todos foram se organizando em torno de seus próprios deuses e crenças, ajudando uns aos outros e formando comunidades. Infelizmente, cada um desses grupos jura que encontrou a verdade indiscutível.

Tomara que esse ser ou entidade tenha um plano B...

Tudo bem em Jerusalém

A parte velha de Jerusalém é organizada em 'quarters'. São partes dela, na verdade. É interessante caminhar por eles. Só evitamos a parte dos ortodoxos, reconhecidos extremistas que têm arranjado encrencas sucessivas com a polícia e os demais grupos religiosos, inclusive os próprios judeus, exigindo que os seus preceitos sejam compartilhados por toda a cidade. Ainda assim, é possível circular sem problemas pelos demais: cristão, judeu, muçulmano e armênio.

Nós entramos por um portão que se chama Damasco. Caímos direto num mercado persa (persa?) com barracas que vendiam legumes, importados, tecidos, sucos, sanduíches, brinquedos, sapatos, roupas. De um pequeno pátio aberto, seguimos por uma galeria estreita ladeada por infinitas barracas e aquele barulho característico. 200 metros a pé e chegamos ao nosso hotel. Largamos as malas e continuamos em frente. Mais 50 metros e uma placa na esquina declarava que chegáramos à Via Dolorosa.

Juliana tinha comprado um livro sobre as várias facetas de Jerusalém e foi orientando nosso percurso com uma leitura cheia de cor - a prisão, o julgamento, a caminhada, o primeiro tombo, a mãe, mais um tropeço, a mão apoiada na parede, o terceiro tombo, novamente a mãe em sua dor incurável, as mulheres em prantos, a chegada ao local onde seria fincada a cruz e a marca, metros abaixo, de onde a rocha dura se rompeu naquele momento. O local do sepultamento. As capelas de várias vertentes em volta. À nossa passagem, avistávamos lojas e bancas emparelhadas formando um longo mercado. No chão, aqui e ali, pedras do século zero. Aquelas mesmas...

Passamos no hotel e, agasalhados, rumamos para o Jewish Quarter, cruzando o barulhento bairro muçulmano. Ali, o que se via eram lojinhas também enfileiradas, embora com outros produtos à venda - não mais crucifixos, e sim bijouterias vistosas, lenços de cabeça, longas vestes escuras e produtos de maquiagem para os olhos.

Ao chegarmos ao bairro judeu, uma Jerusalém diferente surgia. Paredes e calçamentos refeitos, lojas de grife e galerias de arte. Ruas mais largas e com menos gente. Seguimos calmos em direção ao Muro das Lamentações. De repente, um jardim e escadarias que desciam. Ao fundo, lá estava ele.

A gente lamenta que as coisas sejam assim, mas passa por nova revista de bolsas e raio X (aliás, isso acontece até para entrar em shopping center). A partir de um pátio largo, os 50 metros de muro que sobraram são divididos em duas metades, sendo uma para homens e outra para mulheres. Parei no pátio e pensei nas pessoas que amo. Fiz uma listinha de nomes (sim, sim, o seu está ali!) e segui até lá. Com a testa apoiada no muro ou sentadas em cadeiras, dezenas de mulheres em silêncio. Aqui, a fé assumia nova dimensão, sem cerimônias, sem luxo, sem cânticos, sem fotos. Só fervor compenetrado. Conversei com meus próprios anjos, coloquei meu papelzinho num vão do muro e saí de costas, como todas as demais - ninguém fica de costas para o Muro. Você vai andando para trás devagar, continua refletindo. E exatamente atrás do Muro, vê a cúpula dourada da Grande Mesquita, um dos principais templos muçulmanos. Estava sol e tudo parecia em paz...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Houve sim

Você pode ter a crença que for. Pode até ser agnóstico ou ateu. Mas houve um Herodes. Seu palácio continua no alto de uma montanha. Houve um Pilatos, pois as placas nos muros anotam o local onde ele lavou as mãos e tentou se eximir da responsabilidade de decidir entre a vida e a morte de outros.
Pode também acreditar que os fatos não ocorreram exatamente como são narrados, os locais não são exatamente aqueles marcados, as datas são imprecisas ou falta lógica à ordem das ações relatadas.

Mas um homem andou por aquelas pedras, carregou uma cruz, encontrou sua mãe duas vezes, caiu três, pediu às mulheres que não chorassem por ele, mas por seus próprios filhos. A versão é melhor que a precisão, quando se cria uma história com tal magnitude que mobiliza tantas pessoas por tanto tempo.

Você segue pela Via Dolorosa acompanhando os passos dele. Qualquer guia te dá a sequência. Mas quando chega ao Santo Sepulcro, a lógica se perde e só se sente emoção. À sua volta, capelas franciscana, ortodoxa, dominicana... todas coexistindo num único edifício. No centro disso tudo, eles enfeitaram e transformaram uma tumba num monumento. Você entra e, de um grande hall, passa por uma sala menor que sua própria decoração. Então, se curva para chegar ao túmulo. E se prostra diante de uma caixa de mármore liso que mal cabe naquele cubículo. A luz amarelada e fraca deixa claro que o que você vê ali extrapola o luxo. E você não questiona se um corpo foi sepultado ali dentro. 2000 anos de fé e amor tocam seu coração.

E voce crê. Crê que houve alguém. Crê num mundo melhor.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Rumo ao Vórtex

Amanhã saímos de madrugada em direção ao sul do país, a caminho do Mar Morto, de Petra (na Jordânia) e do leste do Egito.

Mas nossa primeira parada é o que está me emocionando. Jerusalém - a  matriz, a sede central, o headquarters de boa parte da humanidade. O foco dos pedidos e agradecimentos de católicos, judeus e muçulmanos de toda a galáxia.

Na volta, eu conto.

Passeando num tabuleiro de xadrez

Por aqui, o pessoal conta que, quando os ingleses deixaram seu potentado na região e devolveram sua parte do Oriente Médio, organizaram a terra como um imenso tabuleiro de xadrez e deram os quadrados brancos para os judeus e os pretos para os árabes. Foi aí que toda a "diversão" começou.

Nos últimos dias, visitamos Rosh Haniqrá, na costa do Mediterrâneo. É um costão de pedra branca ladeando aquele mar... Vazando as montanhas, túneis que um dia serviram para a travessia de soldados. À nossa direita, um portão nos separava do - pasme - Líbano. Pelo mar afora, bóias isolavam os dois países. Bastava não fotografar o portão que estava tudo bem.


Depois, estivemos no monte Hermon, nas colinas de Golan (!!). É uma estação de esqui. Minha primeira. A gente não esquiou, mas desceu em velocidade uma encosta de montanha em carrinhos individuais e subiu de teleférico até o topo. Lembrei de meu primo, que tem medo até das cadeirinhas de Campos do Jordão. (não, não vou revelar o nome dele, mas ele sabe quem é). Lá em cima, doíam os dentes. De verdade, não é só "leite quente que dói o dente da frente da gente".


Nas palavras da Juliana, "da crista do monte para lá, é a Síria". Estamos bem de vizinhos!

Mas especialmente na montanha, bastava olhar para as pessoas e identificar judeus, árabes, drusos, muçulmanos... Todos israelenses, de nascimento ou por escolha. Esquiavam, faziam guerra de bolas de neve, andavam de trenó e construíam bonecos de neve. Tudo igual.

O que a Juliana nos disse é que todos são israelenses e têm seus direitos preservados. Vão à escola (juntos ou separados), professam sua religião e mantêm seus costumes.

Donde se conclui que eu continuo entendendo pouco sobre o que acontece aqui. Mas vamos tentando.

Ou, como diz Idam, o israelense mais brasileiro que eu já conheci "força na peruca"!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lado A, lado B, lado B, lado A (parte 2)

Sei que estou atrasada com os posts, mas tem coisas acontecendo por aqui (surpresa!) e não dá pra fazer tudo... Eu poderia correr, mas quero contar minhas primeiras impressões aqui.


Juliana e Idan moram numa cidade minúscula perto de Haifa. (o país tem 7 milhões de habitantes. Imagina quantos vivem numa cidade pequena??!!) Ela é toda organizada com prédios de 4 ou 6 andares separados pelo que eles chamam de pocket gardens. Em cada área verde, os moradores decidem o que vai ser plantado - temperos, flores, frutas... e todos os moradores dos outros prédios também podem fazer uso delas. No centro desses condomínios, um centro comercial.

O apartamento tem três dormitórios e é bem confortável. Dois poodles pretos vieram nos receber - Morena e Rubens. Com alguns anos de diferença, Juliana achou os dois na rua e eles viveram felizes para sempre...

Ela nos serviu homus com legumes crus, depois tomamos vinho nacional (bem gostoso), eles tocaram violão, vimos fotos, papeamos. Parecia final de filme. Idan chegou mais tarde e - pasme - fala português como alguns de nós. Hilariantes as expressões que usa. E com propriedade! Merece um post exclusivo no futuro.

Mas quando a gente foi se deitar, Monique comentou que o quarto que eu ocupava era o quarto seguro. Toquei a parede. Dura como pedra. Então reparei na porta de cofre que fechava o ambiente. E nas janelas blindadas. É para onde eles correm se houver um ataque. Depois, Juliana comentou que treinou Morena para correr para lá se estiver sozinha e a sirene soar. E mostrou algumas bolinhas de metal que recheavam o morteiro que caiu ali perto durante a última guerra. As janelas da sala e do banheiro se estilhaçaram e houve muita correria, embora ninguém tenha se ferido.

Há um preço para tudo na vida...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lado A, lado B, lado B, lado A (parte 1)

Juliana nos esperava no aeroporto. De lá, seguimos por 150 quilômetros de uma estrada ótima até Haifa. Desde o jardim do aeroporto até o jardim do prédio dela, Israel ia confirmando aquele lance de fazer do limão uma limonada. Laranjeiras, oliveiras, tamareiras, trigo, pés de romã e damasco. Árvores pendendo, carregadas de fruta. Não se viu um lugarzinho sem verde até onde a vista alcançava. Com o olhar mais atento, dava para ver o calcário a 10 cm da superfície, nos barrancos recortados. E aí, o requinte do lance todo. Era deserto e eles resolveram fazer um IMENSO sistema de irrigação por gotejamento desde a Galiléia (onde quer que seja isso). Coisa de doido! E muita grana.

A gente quase esquecia a rota do avião, quando desviou da África... Tudo corria tão sereno! Mas à nossa direita, ainda saindo de Tel Aviv, dava para ver uma cidade de prédios baixinhos com arquitetura austera e cores claras. Cidade árabe a 500 metros da estrada. Dentro do território israelense. (justo agora que eu achei que estava começando a entender como isso tudo funciona. Mas quando eu entender, juro que compartilho) Mais adiante, um longo muro nos separava da Cisjordânia. Um pouco mais e... cadê o muro?! Acho que ele é um muro de direito, mais do que de fato. Ele não separa, mas faz lembrar que as coisas são separadas.

Quase lá

Para constar: estou viajando com meus amigos Monique e Zé. A filha dele, Juliana, é casada com Idam e eles moram em Haifa, no norte de Israel. É para a casa deles que estamos seguindo.

Em Cumbica, o balcão de embarque da El Al ficava ao lado do da TAM, mas os procedimentos já eram diferentes. Da fila, cada um de nós foi encaminhado a um atendente. Parecia o lançamento do Men in Black III. Todos com cara de Mossad treinados pelo próprio Sr. Spock em Vulcano e poderiam nos matar com o toque de um dedo. O inquisidor - digo, rapaz - que me atendeu fazia perguntas do tipo: onde você fez sua mala? a mala é sua? como você chegou aqui e de onde veio? essa mala é suficiente para três semanas?

Ao lado, Monique e Zé desmontavam a mala e desfaziam pacotes, dando muito mais explicações que eu. Acho que minha cara de aparvalhada denotou minha falta de potencial para mulher-bomba.

Durante o voo, já dava pra entender um pouco melhor o relacionamento dos israelenses com seus vizinhos árabes. O percurso, que, pela lógica, deveria ser sobrevoando a África, não se confirmou. Seguimos firmes até - pasme - a Europa. Passamos por Portugal, Espanha, França, sul da Itália, Grécia e, pelo Mediterrâneo, chegamos a Tel-Aviv. Aumentou em umas três a quatro horas o tempo de voo. Dava vontade de chorar, pois isso é lamentável, tanto em termos ecológicos como de perspectiva para o futuro.

À medida que o avião se aproximava do aeroporto Ben Gurion, fui acompanhando por aquele mapinha na tela. Até agora, estava divertido pensar que visitaríamos lugares que eu só conhecia da missa.  Mas as cidades vizinhas que apareciam tinham nomes como Beirute e Bagdá. Que tal?

domingo, 24 de janeiro de 2010

Na fronteira

Tá chegando a hora. A gente parte hoje às 19h15. Isso significa que temos que estar em Cumbica às 15h15. Sim, você leu certo. 4 horas antes. Parece que vamos passar por uma série de revistas antes de embarcar... Tomara que sejam Teatro de revista, Revista da Folha, o antigo programa "Mulheres em Revista", ... embora eu não esteja contando muito com isso.

Pra começar, a gente tem que preencher um formulário com respostas a perguntas do tipo: "Você tem participado de algum grupo de extermínio recentemente?", "Está portando bombas, artefatos explosivos, armas de fogo ou armas brancas?" "É membro de alguma torcida organizada?" "No caso das Torres Gêmeas, torceu pra quem?".

Também tem a revista. Tira sapato, abre bolsa. Já passei por três situações insólitas nesse momento da revista.
Na primeira, em Lima, me tiraram uma lixa de unha. Acho que tiveram medo que eu lixasse a unha do piloto e ele morresse de vergonha.
Na segunda, em Miami, cismaram com uma lapiseira que eu tinha trazido de Barcelona. Ela é mais gorduchinha com um desenho do Gaudí e o grafite é mais grosso. Queriam saber que tipo de ferramenta era aquele e carregavam a coitadinha de um lado para o outro, segurando com dois dedos apavorados. E tornavam a passá-la pelo raio X. Eu tentava mostrar que era uma lapiseira, mas eles não me deixavam demonstrar...
A terceira foi em julho, saindo do Tibete para Delhi. A militar já tinha passado aquele instrumento que parece uma raquete de tenis para ver se havia algum metal no meu corpo. Estava tudo bem. Mas enquanto eu estava de costas, ela meteu a mão no meu cabelo cacheado. Eu disse que não havia granadas de mão ali. Dessa vez, fiquei em dúvida se ela realmente suspeitava que eu estivesse armada ou se nunca tinha visto um cabelo assim, pois todo mundo tem cabelo liso por lá.

Desta vez, a coisa é mais séria, pois sempre que alguém marca bobeira na revista e faz todos se lembrarem do risco do terrorismo nas alturas, como aconteceu recentemente, os procedimentos ficam mais complicados.
Ainda assim, eu não sei o que acontece se um boxeador resolver matar alguém com as próprias mãos. Ou se o sujeito resolve construir uma arma com aquele metal cirúrgico (minha mãe nunca foi parada em porta giratória, embora tenha duas próteses imensas nas pernas) Oooops, eu não devia ter compartilhado esse meu pensamento. Daqui a pouco, vamos todos entrar algemados no avião...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Viagens Hardcore

Finalmente terminei todas as minhas tarefas profissionais e posso pensar exclusivamente na viagem. Mesmo que faltem três dias...
A mala está encaminhada, os presentinhos comprados. E eu aqui, me perguntando: será que eu conto para as pessoas a respeito deste blog? Será que viagens mais hardcore são assuntos interessantes? Eu não sei se é assim, mas a preparação para algo deste tipo é bem diferente de uma viagem tradicional.

Se o destino for Vancouver ou Berlim, por exemplo, é necessário projetar tempo e temperatura, escolher roupas e sapatos confortáveis, comprar um guia e, se não for alta estação, dá para entrar no avião até sem reserva de hotel. Até sem mala! Basta embarcar com um cartão de crédito. (com crédito!)

Mas no caso de viagens para lugares como a Índia ou o Oriente Médio, a gente até pensa no protetor solar e na compra de dólares. Mas tem que conhecer ao menos alguns costumes, aprender umas poucas palavras, refletir sobre segurança e fazer um planejamento apurado. Tem que ter alguém esperando lá, reservas em todos os hotéis. Principalmente se for uma viagem feita por mulheres...

Eu ainda não sei o que esperar desta vez, mas a Índia e o Tibete ainda estão muito presentes na memória. Estivemos lá em julho passado e foi uma explosão de tudo que nos despertasse os sentidos. Desde aqueles cinco mais óbvios até o 'sentido de aranha', como diria o personagem do Tobey Maguire. E outros mais. A gente tem que ficar 'ligada' no óbvio, como o frio ou o calor, a qualidade do que está comendo ou bebendo, o trânsito (também tem o constante: será que tem um banheiro aqui?). Aí, vêm os mais sutis, como o significado das expressões e as diferenças culturais a partir do que estamos acostumadas. Isso, então, deixa a gente atenta o tempo todo. É cansativo, mas é muito bom.
E tem ainda algo mais profundo - eu não sei que nome tem - mas é como um reboot na cabeça e no coração. E penso que é justamente isso que a gente procura quando opta por destinos menos óbvios.

Aí, eu pensei: a maioria das pessoas não se interessa por seguir numa viagem desse tipo, mas pode querer saber o que acontece do lado de lá da Twilight Zone. E resolvi compartilhar essas reflexões com você. Bem-vindo. Bem-vinda.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Para dormir em Jerusalém

O pessoal pergunta porque a gente não vai para Belo Horizonte ou para Buenos Aires. O legal de uma viagem desse tipo, em que você se depara com costumes e culturas muito diferentes da sua, é justamente produzir algo semelhante a um reboot na cabeça e no coração. São lugares onde os códigos que a gente conhece não valem muita coisa.

E a gente pode achar as coisas estranhas ou engraçadas, mas funcionam para eles e isso importa. Não interessa se a gente concorda ou discorda - isso não importa. A gente se adapta o quanto pode. E lança olhos diferentes sobre o que já conhece. É deliciosamente esquisito!

Por exemplo: a Monique foi fazer nossa reserva para Jerusalém e descobriu um hotel muito legal - imagine - na Via Dolorosa. Manja Jesus Cristo carregando a cruz e caindo três vezes? É nessa rua mesmo!!! E foi ali naquela esquina, em frente à mercearia do seu Roque...
Monique, que é dada a entusiasmos crônicos, logo se animou. Mas a hospedagem é para cinco: Zé e ela, Juliana e seu marido Idam. E eu.

Os três viajandões somos muito amigos e não estamos indo com um exagero de grana. Pensamos em compartilhar o quarto. Pois não pode! Se forem marido e mulher (devidamente documentados), tudo bem. Se forem duas mulheres, mesmo não sendo da mesma família, tudo bem também. Dois homens? O mesmo. Mas homens e mulheres de famílias diferentes??? Onde é que nós vamos parar?

E o que nos resta? Concordar. Ora, se é problema para eles... beleza. Mas não é refrescante pensar que, de todas as coisas que podem esquentar a cabeça de alguém que vive no Oriente Médio, isso pode ser um problema? Ou que tantas modernidades que esquentam a nossa cabeça nem passam pela deles?

O que eu sei do roteiro da viagem

Viajamos Monique Edelstein, Zé Gazal e eu. Os dois são marido e mulher. Juliana,  a filha dele, é casada e mora na cidade de Haifa, no norte de Israel. Do aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, seguimos direto para sua casa.

O país é muito pequeno e são cerca de 300 km do extremo sul ao extremo norte - como de São Paulo a Bauru. Isso significa que a gente consegue conhecer muitas coisas num mesmo dia e seguir cada dia numa direção, voltando sempre para dormir na casa da Juliana.

Além dos dias que vamos passar hospedados ali, ficamos três dias num chalé nas montanhas (com neve, uhuuu!!!!) e seguimos de carro para o sul, até a Jordânia e o Egito.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Antes de partir

De repente, surgiu uma oportunidade única de conhecer Israel e entrar rapidamente na Jordânia e no Egito. Seis meses atrás, estive com quatro amigas no Tibete e na Índia. Nem digeri uma viagem direito e lá vem outra.

Não que eu costume fazer viagens desse tamanho. mas tem coisas que a vida oferece e a gente tem que correr e aceitar.

Sei pouco de religião, mas do pouco que sei, tenho certeza que muito do que somos começou naquele pedaço do mundo.

Quando a gente estava sobrevoando o Oriente Médio a caminho da Índia, ficamos muito tempo sobre o deserto. A cor da areia mudava: do vermelho ao cinza escuro e ao beige claro. Com pedra, sem pedra... Mas deu um aperto no coração e eu fiquei pensando se tem cabimento brigar por aquilo. Tudo bem que tem o subsolo e sua riqueza, mas vivendo num país de vegetação lasciva, era difícil criar a imagem de uma vida inteira olhando pra areia.

E agora, eu sigo justamente para lá, com a sensação de estar entrando num livro (quem nunca leu "The Kugelmass episode", do Woody Allen, leia!)

Cada vez que alguém faz uma lista de lugares que provavelmente vamos conhecer, soa estranho pensar que Herodes de fato teve um palácio, que o Monte Sinai e o Monte das Oliveiras são mais do que citações no Antigo Testamento. Que, quando os muçulmanos seguem para Jerusalém, visitam o lugar onde Maomé tombou. E, claro, é ali a Terra Santa dos judeus.

Tem outra coisa: quando eu estava no colegial, vários colegas viajavam nas férias para conhecer um Kibutz. Voltavam com uns penduricalhos diferentes no pescoço. Pensando diferente. Mas era tempo de ditadura e dava medo.

A gente parte no dia 24. Depois eu conto mais.

E no ano passado, teve o Tibete...

Na semana passada, terminei de escrever um relato da viagem que fiz com quatro amigas ao Tibete e à Índia em julho de 2009. Demora pra gente conseguir organizar as ideias e as palavras. Agora, quem sabe vira livro? Livro eletrônico, talvez? (será que eu sou a favor ou contra o Kindle? Será o fim do papel?)


Também tenho vontade de publicar em forma de site. Veremos...